“ (…) Neste momento, quero convosco dar graças a Cristo Senhor pela grande misericórdia que usou para com a sua Igreja peregrina em Portugal nos dias do Ano Santo e nos anos sucessivos permeados pelo espírito jubilar... De facto, sente-se perdurar o mesmo clima do Jubileu em numerosas iniciativas por vós tomadas nos anos imediatos: o recenseamento geral da prática dominical, o retomar a caminhada sinodal feita ou a fazer, a convocação em mais do que uma diocese da statio eucarística ou da missão geral segundo modalidades novas e antigas, a realização nacional do encontro de movimentos e novas comunidades eclesiais e do congresso da família, a vontade de servir o homem consignada pela Igreja e o Estado numa nova Concordata…
Neste longo peregrinar, a confissão mais frequente nos lábios dos cristãos foi a falta de participação na vida comunitária, propondo-se encontrar novas formas de integração na comunidade. A palavra de ordem era, e é, construir caminhos de comunhão. É preciso mudar o estilo de organização da comunidade eclesial portuguesa e a mentalidade dos seus membros para se ter uma Igreja ao ritmo do Concílio Vaticano II, na qual esteja bem estabelecida a função do clero e do laicado, tendo em conta que todos somos um, desde quando fomos baptizados e integrados na família dos filhos de Deus, e todos somos corresponsáveis pelo crescimento da Igreja.
Esta eclesiologia da comunhão na senda do Concílio, à qual a Igreja portuguesa se sente particularmente interpelada na sequência do Grande Jubileu, é, meus amados Irmãos, a rota certa a seguir, sem perder de vista eventuais escolhos tais como o horizontalismo na sua fonte, a democratização na atribuição dos ministérios sacramentais, a equiparação entre a Ordem conferida e serviços emergentes, a discussão sobre qual dos membros da comunidade é o primeiro (é inútil discutir, pois o Senhor Jesus já decidiu que é o último). Com isto não quero dizer que não se deva discutir acerca do recto ordenamento na Igreja e sobre a atribuição das responsabilidades; sempre haverá desequilíbrios, que exigem correcção. Mas tais questões não nos podem distrair da verdadeira missão da Igreja: esta não deve falar primariamente de si mesma, mas de Deus.
Os elementos essenciais do conceito cristão de «comunhão» encontram-se neste texto da primeira Carta de São João: «O que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para que também vós tenhais comunhão connosco. Quanto à nossa comunhão, ela é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo» (1, 3). Sobressai aqui o ponto de partida da comunhão: está na união de Deus com o homem, que é Cristo em pessoa; o encontro com Cristo cria a comunhão com Ele mesmo e, n’Ele, com o Pai no Espírito Santo. Vemos assim – como escrevi na primeira Encíclica – que, «ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa [Jesus Cristo] que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo» (Deus caritas est, 1); a evangelização da pessoa e das comunidades humanas depende, absolutamente, da existência ou não deste encontro com Jesus Cristo.
Discurso aos Bispos portugueses na "visita ad limina"