2. - Voltarmo-nos para Deus pela mediação de Cristo elevado na Cruz, de cujo Coração aberto e trespassado jorram “sangue e água”, significa abrir o nosso olhar, o nosso coração e o nosso pensamento à contemplação de uma vida por nós entregue e de um amor sem fronteiras e sem limites. Aqui se consuma, na plenitude da doação, a vida de Cristo e aqui nasce a Igreja.
Sem este olhar contemplativo da Cruz - certeza de vida entregue, fonte de amor e iminência da Páscoa – nunca será possível entender a fé e o testemunho dos cristãos, compreender a vocação e a fidelidade dos discípulos de Jesus, nem perceber a vida e a missão de bispos, presbíteros, diáconos, religiosos e religiosas e de tantos leigos e leigas consagrados no meio do mundo. Ao mundo de hoje falta esta abertura e esta disponibilidade para um amor contemplativo, que só um olhar sereno, um coração límpido, um pensamento lúcido e uma consciência esclarecida tornam possível.
Desde os tempos apostólicos, sempre se afirmou que “o sangue e a água”, que jorraram do lado trespassado de Jesus, eram e são sinais dos sacramentos da Igreja.
A Quaresma oferece-nos uma oportunidade cheia de bênção e de graça para darmos mais tempo e maior visibilidade a este acolhimento do amor de Deus vivido e celebrado em todos os sacramentos. Demos renovada dignidade e permanente relevo à preparação e à celebração do Baptismo, à Eucaristia celebrada e adorada e ao tempo de maior disponibilidade oferecida ao sacramento da Reconciliação. Nunca esqueceremos, nós sacerdotes, que somos servidores da alegria deste amor único e insubstituível de Deus, nosso Pai, porque foi Ele que em Cristo e pelo Espírito nos fez ministros da Sua misericórdia e da Sua presença.
Peço-vos, irmãos sacerdotes, que vivamos e testemunhemos, na alegria da comunhão e no entusiasmo da missão, a beleza da nossa vida e do nosso ministério e exorto todos os cristãos a valorizarem cada vez mais a participação na celebração dos sacramentos, concretamente, neste tempo quaresmal, dos sacramentos da Reconciliação e da Eucaristia. Eles são fonte de vida que jorra do Coração de Cristo.
4. - Receber e acolher o amor de Deus e corresponder a este amor implica necessariamente amar os irmãos - recorda-nos o Santo Padre na mensagem para esta Quaresma. Nesse sentido, convido toda a Diocese a exprimir e a testemunhar, em gestos criativos e em atitudes fraternas, um amor generoso e solidário para com as pessoas, instituições e comunidades, através das quais a cultura da vida e o anúncio do Evangelho, que é sempre Evangelho da Vida, constituem um imperativo permanente da nossa vocação e da nossa missão como cristãos.
A Igreja de Aveiro, que o Espírito de Deus me chamou a servir com alegria e coragem, orientará este ano a renúncia quaresmal e o contributo penitencial de todos os seus membros para uma instituição diocesana - o Lar do Divino Salvador - e para uma iniciativa missionária - o Centro de Formação de Catequistas da Diocese de Bissau, na Guiné.
O Lar do Divino Salvador nasceu na Paróquia de Ílhavo em 1996, está confiado às Irmãs de Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor e é já muito o trabalho pastoral aí realizado e exemplar o serviço humano e social nele prestado. Destina-se a acolher, ajudar e acompanhar grávidas e mães em momentos de dificuldade e de provação, para que mães e filhos ali encontrem uma família e, a partir dali, possam olhar e construir o futuro com serenidade, dignidade e coragem.
O “Catequistado” - assim se chama o Centro de Formação de Catequistas da Diocese de Bissau - é uma iniciativa de grande esperança e constitui um empreendimento de incontestável valor para aquela jovem Diocese, com quem Aveiro mantém uma comunhão eclesial viva e uma solicitude missionária fecunda.
São sempre muitas as causas a motivar a nossa renúncia, a exigir a nossa generosidade e a interpelar-nos a um amor sem medida e sem medo, sem cálculos e sem fronteiras. Temos de dar vez, espaço e tempo à vida humana que é dom de Deus e temos de dar voz, atenção e resposta aos silêncios dos pobres e aos clamores dos povos famintos de Deus.
5. - Ninguém se surpreenda que a nossa generosidade tenha sempre como medida e como critério a densidade e a verdade da nossa união com Deus. É neste amor a Deus que se situa o único e imprescindível paradigma da nossa comunhão eclesial e do nosso compromisso cristão de luta pela vida e pelo bem e dignidade de toda a humanidade. Esta é, também, uma prioridade que a Igreja de Aveiro assume, colocando-se ao serviço da Família, como nos sugere e propõe o Plano pastoral da Diocese, concretamente junto de quem em circunstâncias difíceis mais carece desta ajuda e necessita desta presença.
Que Maria, Mãe de Jesus - o Divino Salvador - e Santa Joana Princesa, nossa Padroeira e modelo de amor a Deus e ao Povo de Aveiro, nos guiem neste itinerário de conversão ao amor de Cristo e de solicitude pelo bem de todos os irmãos.
+António Francisco dos Santos, Bispo de Aveiro